quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Ganância - (Contos Sistinas)



[Do esp. ganancia < esp. ganar, 'ganhar' (q. v.), + esp. -ancia (= -ância).] S. f. 1. Ambição de ganho. 2. V. ganho (2). 3. Ganho ilícito; usura. 4. P. ext. Ambição desmedida. [Cf. ganancia, do v. gananciar.] - (escrito em 17/09/02)


22 de fevereiro de 1942, Campo de deportação de Dachau, na Alemanha nazista.
Rascher era um médico SS, e com ele começou a primeira grande série de experiências humanas da história do III Reich de Adolf Hitler. Aliás, o "Mein Kampf", a bíblia do regime, afirmava que o objetivo era 'manter e favorecer o desenvolvimento de uma comunidade de seres que sejam da mesma espécie no físico e na moral', os chamados arianos, a casta superior, que edificariam o Império de Mil Anos idealizado pelo Hitler.
Pouca gente sabia, mas Rascher era parte de uma sociedade secreta chamada Ahnenerbe. Fundada em 1933, essa sociedade (cujo nome significava Herança dos Ancestrais) pesquisou desde a pedra filosofal, Atlântida e até mesmo o Santo Graal.
Só que com o tempo, a Ahnenerbe parou de se concentrar em magia, ocultismo, estudos de religiões e voltou-se para os experimentos humanos. E Rascher tinha mais um segredo. Aquele gorducho capitão da reserva da Aeronáutica tinha em suas mãos um vampiro. Inacreditável, não? O deportado era búlgaro, tinha apenas uma narina, e a língua afiadíssima... Ele foi trancafiado num "block" solitário, e o nazista tentou de várias maneiras vivissecar sem sucesso o dito vampiro.
Que triunfo para a Ahnenerbe! Rascher quis primeiro descobrir os segredos de um vampiro, o que se provou, após algumas mortes, ser impossível. Depois, baseado no pouco da análise sanguínea dele, tentou criar um substituto do Polygal 10, um medicamento que diminuía a hemorragia em um soldado por um período de seis horas. O tal Polygal foi criado por Robert Feix, um judeu, o que era imperdoável para os nazistas. Foi aí que surgiram os estudos no "Obour" búlgaro.
Quando sua tentativa falhou, Rascher quis então o inesperado: se tornar um vampiro. Assim sobreviveria, mesmo que o regime de Hitler caísse. Mesmo que a Alemanha nazista perdesse a guerra, ele se ergueria sempre triunfante das cinzas da morte!
Entrou no block pela manhã. Estudara que essas criaturas moviam-se lentamente durante o dia. Como não era um maluco suicida, Rascher contou seus planos à um padre que era mais movido à vodka que evangelhos, mas que parecia em seu alcoolismo conhecer a natureza dessas bestas. O tal padreco pediu que Rascher enchesse uma pequena garrafa com sangue do vampiro. Assim foi feito, apesar de um dos médicos designados para tal tarefa ter morrido nas mãos da besta. O nazista não entendeu o pedido do padre, porém sentiu-se mais seguro que antes.
O block estava escuro, pois a luz do Sol com certeza mataria a criatura. Rascher sentiu medo, mas encheu a voz de autoridade, quando viu o vampiro deitado no catre:
-Vamos direto ao assunto. Quero o que você tem. É simples.
O vampiro, que parecia repousar, virou-se lentamente para o nazista, e esboçou um sorriso.
-Enfim, um dos graúdos. Quer morrer, entrando aqui, gorduchinho?
-Quero o que você tem. - Rascher repetiu.
-Eu não tenho mais nada. Tive uma casa, mas sinceramente não me lembro mais dela. Tinha uma linda filha e uma adorável esposa. Mas tudo isso foi antes do ataque da 21ª Schtzstaffel Gebirgsdivision, que aniquilou de vez tudo o que eu já tinha perdido desde a praga do vampirismo.
-A "Skanderberg", dos voluntários albaneses. Uma das mais admiráveis divisões da Waffen SS. Eles combateram russos e búlgaros. - relembrou Rascher, para o ódio do vampiro.
-Sim. Que seja. Ainda me lembro do maldito emblema, sabia? Aquela águia negra bicéfala, que adorna a bandeira da Albânia. Era um símbolo de morte.
-Como aconteceu? Como se tornou um... vampiro?
O obour limitou-se a sorrir. Não estava disposto a contar. Mas pediu um cigarro, claramente uma zombaria. Rascher estranhou, e não lhe deu nada. Ao invés disso, quis saber:
-Pode me transformar em um vampiro?
-Sim, mas para isso você precisaria comer da terra de meu sepulcro. - respondeu a criatura, gargalhando. Obviamente estava brincando. - O detalhe é que você destruiu meu sepulcro, percebe? - continuou, e riu mais alto ainda.
Rascher crispou as mãos. Iria arrancar o dom das trevas daquele imbecil de qualquer jeito! Já pensava nas torturas quando o vampiro pulou em cima dele. A língua pontiaguda saltou da boca, lambendo o terror do nazista. A saliva escorria, e a criatura então perguntou:
-Sabe rezar, homenzinho? Aconselho que reze, para ao menos chegar às portas do céu.
Rascher sentiu muito medo. E então, soluçando, começou a rezar:
-Gegrüßet seist du, Maria, voll der Gnade...
O vampiro passou a língua molhada nos lábios dele.
-Der Herr ist mit dir. Du bist gebenedeit unter den Frauen - "Cadê aquela porra de padre?" - Und gebenedeit ist die Frucht deines Leibes, Jesus.
-Continue nazi. - disse o vampiro, e Rascher percebeu que morreria ao término da reza. Maldita hora que desejou entrar naquele escuro block!
-Heilige Maria, Mutter Gottes, bitte für uns Sünder jetzt, und in der Stunde unseres Todes.
-Termine, nazista imundo. - sibilou o obour, enquanto arrancava a suástica que ordenava o peito de Rascher.
-Amen.
-Das ist fertig! (acabou) - gritou o vampiro, em bom alemão, e caiu literalmente de boca no homenzinho que sonhava ser vampiro.
Não restou muita coisa de Rascher para a investigação da Ahnenerbe. O padre declarou que pediu o sangue do vampiro engarrafado para salvar o oficial da criatura, mas que também precisaria "guardar a alma" do vampiro, que ele chamava de Krvopijac, na mesma garrafa, e então atirá-la numa grande fogueira. Foi ridicularizado pelos membros da sociedade secreta, que viram nessa fantasia dele apenas o reflexo do vício em vodka.
A Ahnenerbe encobriu os fatos, matou o vampiro, o padre, e queimou as anotações de Rascher, que ficou então citado na história como tendo morrido no bunker de Dachau, em junho de 1945...

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