segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Gula - (Contos Sistinas)


[Do lat. gula, 'esôfago', 'garganta'.] S. f. 1. Excesso na comida e na bebida. [Cf. glutonaria.] 2. Apego excessivo a boas iguarias. [Sin. ger.: gulodice ou gulosice.] -   (reescrito em 04/10/03) link original http://sistinas.com.br/sete-pecados-capitais.html



Estou numa sala de chat, usando um apelido um tanto óbvio e por isso mesmo ridículo. Como idade não se aplica à um ser como eu, então minto, enquanto leio na tela fria um quarentão cantando virtualmente meninas de treze à dezessete anos.

Uma delas lhe responde: "Ainda sou virgem, mas já deixei colocarem a pontinha do pênis na minha bundinha e confesso que adorei, mas dói um pouco, acredito que na frente seria melhor, mas não me decidi ainda", e então eu resolvo perguntar se o elemento tem filha. Ao fundo outra garota dizendo ter quatorze anos pede por fotos de dupla penetração.

É, a humanidade caminha doente. Agora vivemos na era da internet. Das experimentações, dos relacionamentos descartáveis. Em outras palavras... promiscuidade! Uma mulher me passa seu celular após vinte minutos de conversa, tudo por que prometi levar mais dois amigos ao encontro, assim poderíamos todos transar com ela. Tudo mentira, obviamente.

-Você é casada? - pergunto à uma delas, que usava um apelido extremamente desagradável. "Oito entre dez amigas minhas traem seus parceiros, algumas são bem casadas, até. Não teve namorado nenhum meu que não tenha levado um par de chifres." - foi a resposta que li no meu computador.

Incrível, mas nada surpreendente. Resolvi então investir numa presa fácil. Nettie era adorada no mundo virtual. A internet era seu território de caça. Nunca tinha mostrado sua foto para ninguém, talvez por ser meio gordinha, fora dos atuais padrões de beleza. Usava o simpático apelido de Pinhead por ter piercings no umbigo, nos mamilos, nas orelhas, nas sobrancelhas, no nariz, dentro da boca, nos lábios e... naqueles lábios também. Eu sabia disso tudo pois já tinha conversado com ela outras vezes, mudando sistematicamente de apelido e personalidade.

-Me diga, você é muito gorda?

-Sim - ela digitou, meio sem graça - estou fora do peso, se quer saber. Talvez por eu ser gulosinha...

-Ah, gulosa? Eu gosto assim. Relaxe, também gosto de ter carnes para apertar. - tentei enganá-la.

-Sou muito gulosa mesmo. - ela respondeu, distraída, talvez por estar conversando com mais umas três ou quatro pessoas de seu fã-clube virtual. Gostavam tanto das sacanagens gratuitas que ela teclava e de seus exóticos pedaços de metal encravados no corpo que esqueciam de perguntar sua aparência.

-Vou te mostrar um novo tipo de gula, Pinhead.

-Quando? Onde? - ela se animou, respondendo automaticamente, como se esperasse muito por ler essa frase.

-No motel que você escolher. - digitei rápido.

-Mas... assim? Nem te conheço.

-E precisa? Diga que não quer então. - provoquei.

-Quero sim. Caramba, estou toda molhadinha. Vamos marcar algo AGORA. -  ela aceitou. A presa engolira, ainda não literalmente, a isca. Na verdade, devia estar molhada de suor entre as enormes coxas, de tanto roçá-las, mas claro... adoram digitar isso na internet! Como se me afetasse.

Pinhead foi ao meu encontro, e fazia juz ao apelido. Apesar de não ter nenhuma tatuagem, seu corpo era lotado de piercings. Suas orelhas tinham mais metal que cartilagem, e, caramba... ela era MUITO gorda, obesidade quase mórbida. Tanto melhor, pois eu estava faminto. Apaguei a luz.

Na penumbra do quarto do motel, ela tirou a pesada roupa que vestia. Uma mulher enorme com unhas pintadas de preto, basicamente. Às vezes um piercing brilhava, refletindo a pouca luz que entrava pela janela. Seus seios, além de gigantescos, eram um pouco flácidos. Pontudos, um dos mamilos era atravessado por uma grossa argola. Foi onde encostei a boca primeiro.

-Veremos quem é o guloso de verdade, Nettie. - eu rosnei, e vi medo estampado no olhar dela. Mas ainda não era hora disso, queria excitá-la antes, para impregnar seu sangue com a sensação: "Abra as pernas, quero ver o que pendurou no clitóris".

Era o símbolo feminino. Um símbolo encravado no outro, eu diria. Encostei a boca devagar, e o metal estava umedecido, todo melado mesmo, e quente, mas seus lábios vaginais estavam mais, tanto que até pareceu queimar levemente minha língua. Sei disso porque engoli de leve o piercing, trazendo suas carnes molhadas junto. Senti a textura do metal e o gosto da mulher excitada. Quis morder, comer sua carne. Mas ela ainda podia gritar e...

-Deixe-me ver o piercing da sua língua, Nettie?

Ela estava com a cabeça jogada para trás, gemendo. Ajeitou-se, um pouco nervosa por eu ter parado de lamber e chupar seu grelo, e, como uma criança má, mostrou a língua para mim. Não parecia um piercing, de tão grande. Era quase um prego. Quando o senti entre meus dentes, durante um beijo, fiz força e puxei...

Horas mais tarde, o delegado estava perplexo:

-Então policial Nielsen, que pode me dizer? E os documentos da vítima? - Nettie, ou o que tinha sobrado dela estava na cama ainda, uma poça de sangue e carne mastigada, com todo metal de seu corpo arrancado à dentadas.

O subordinado coçou a cabeça, como se pressentisse uma bronca do chefe:

-Eles não se identificaram na entrada. A moça da recepção disse que estranhamente "não sentiu vontade" de pedir seus documentos.

-Entraram num motel sem ao menos mostrar documentos? Que espelunca é essa, afinal? - reclamou o chefe, enquanto manuseava um símbolo feminino em metal todo ensangüentado, "de onde seria esse piercing?"

-Me desculpe policial. - interrompeu o dono do estabelecimento - Nem sempre os clientes fornecem identidade. Sabe, alguns são casados, ou casadas, e estão com outros parceiros, e preferem... sei lá, você entende, não?

-Privacidade, promiscuidade... - resmungou o chefe de polícia - Quanta imundície! Mas, e quanto à essa moça canibalizada? Ninguém aqui escutou enquanto ela gritava?

-A língua dela está mais bifurcada que a de uma cobra. Foi quase arrancada de sua boca. - os peritos estranharam o fato de que os piercings foram todos cuspidos nas paredes, mas apesar disso em nenhum deles se encontrou sinal de saliva.

"É como se o homem que fez isso não tivesse fluídos corporais. Não deixou rastro algum!"

-Mas pelo jeito, de sangue ele está encharcado! Alheio, claro! - terminou o chefe, assustado com sua própria conclusão. Será que...?

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